27 dezembro, 2011


A maravilhosa ponte do meu “rimão”

Autora do conto: Ana Maria Machado

A Rodrigo, pai do Henrique e dono da ponte. E a Pedro, dono do “rimão”.

Eu tenho o melhor “rimão” do mundo.
— “Rimão”, não. “Irmão”.
Toda hora minha mãe me ensina a falar direito e eu me atrapalho.
Vai ver, é porque eu acho que ele é tão maravilhoso que não pode ser igual
a um irmão qualquer. Tem que ser diferente — um “rimão”.
Um “rimão” muito especial.
O nome do meu “rimão” é Henrique.
É mais velho, mas não é gente grande. Só um pouco grande. Pouco maior
do que eu.
Dá para brincar comigo direitinho.
E dá também para tomar conta de mim. Não deixar os maiores implicarem
comigo nem me cortarem das brincadeiras.
O tamanho do Henrique é perfeito para me ajudar.
A apertar botão de elevador.
A pegar biscoito na prateleira de cima.
A cavar buraco na areia e fazer barreira forte para proteger das ondas,
enquanto eu vou buscar água no mar com o baldinho.
A conversar coisa engraçada de noite na cama quando tem trovoada e a
gente fica com um pouquinho de medo.
Outra coisa maravilhosa que o meu “rimão” faz é me ensinar coisas.
É quando ele diz:
— Assim, ó!
E mostra.
Foi mostrando que Henrique me ensinou a assoviar comprido, para fora —
eu só sabia de um jeito curtinho, soprando para dentro.
Ele me ensinou a fazer bola de sabão.
A abotoar roupa. A amarrar o cordão do tênis. Agora ele está me ensinando a
jogar futebol.
O meu “rimão” me ensinou até a vestir casaco de um modo incrível: primeiro a gente abre no chão, depois chega perto, andando devagarzinho, pelo lado da cabeça, enfia as mangas e levanta os braços — pronto! Fica tudo no lugar!
Outro dia, a mãe do Felipe, que mora no mesmo prédio que a gente, veio
conversar com a minha mãe.
— Vai ser o aniversário do Felipe e eu queria convidar os meninos...
— Claro! Eles vão, sim! — falou minha mãe. — Quando é a festa?
Ela explicou, disse onde era, tudo certo. Mas, depois, pediu uma coisa.
— O padrinho do Felipe queria dar a ele um presente especial, uma bicicleta,
ou um jogo, uma coisa assim... e ele não quer. Só quer uma ponte igual à do Henrique. Foi o que ele escolheu. E não estamos achando para vender em lugar nenhum...
Claro! Esperto, esse Felipe! A ponte do meu “rimão” é a coisa mais
maravilhosa do mundo. Todos os meninos do prédio sabem.
Acontece que minha mãe é muito distraída. Não sei se toda mãe é assim, mas a minha é. Pois você acredita que todo dia ela vê a gente brincar sem parar com a maravilhosa ponte do meu “rimão” e não entendeu o que a mãe do Felipe estava falando?
— Que ponte? O Henrique não tem ponte nenhuma...
— Bom... não sei se é mesmo uma ponte. Felipe chama de ponte maravilhosa. Mas acho que é uma pista de carrinhos... Parece que é cheia de passagens, tem uns viadutos e umas rampas... E muitas estradas, o Felipe falou numa estrada.
— Não pode ser... O Henrique não tem pista nenhuma. Nem rampa, nem
viaduto. Nem estrada.
— Autorama?
— Não.
— Algum “video game”? Jogo de computador? Essas coisas virtuais que os meninos têm hoje em dia...
— Também não.
A mãe do Felipe insistiu:
— Bom, eu posso ter me enganado. Talvez não seja exatamente para carrinhos. O Felipe disse que dá para brincar com os cavalos e os outros bichos. E que eles também andam na ponte.
— Eles? — repetiu minha mãe.
— É... O Henrique, o Felipe, o Bruno... Todos eles.
O Bruno sou eu. Eu estou a toda hora passando pela ponte do meu “rimão”.
Minha mãe já viu milhares de vezes. E nem assim lembrou.
— Pergunta pro meu “rimão”... — eu disse.
— “Irmão”, Bruno — falou minha mãe. — Quantas vezes eu tenho que dizer?
Mas chamou o Henrique. E ele explicou:
— É isso mesmo. Uma ponte maravilhosa. Dá para gente, carrinho e bicho.
Dá para subir e para descer. Passa por cima de tudo, mas pode virar estrada. E passar por debaixo das coisas.
E mostrou:
— Assim, ó!
Então elas viram.
Nós dois andamos nela. Que era uma estrada.
Depois foi um muro para proteger a gente do ataque dos bandidos.
E uma cerca para o gado não fugir do pasto.
Quando cansamos, ela virou ladeira. E ponte. Para os carrinhos passarem. E
mais os bichos todos, de todos os brinquedos, de todos os tamanhos — vacas,
cavalos, leões, camelos, elefantes...
Depois a ponte virou gangorra de gato.
E escorregador de joaninha.
— Mas é isso? Vocês têm certeza? — perguntou a mãe do Felipe,
espantada.
— Isso é só uma tábua bem lixada que seu Manuel deixou com eles... —
explicou minha mãe.
— Não é, não! — eu disse. — É a ponte maravilhosa do meu “rimão”!
“Irmão” --corrigiu minha mãe, dando um suspiro.
As duas mães voltaram para a sala conversando:
— Desculpe, mas é só uma tábua... — repetia minha mãe.
— Bom, se é isso que o Felipe quer, nem precisa ser presente de padrinho.
Eu mesma posso dar...
E eu fiquei pensando: mãe é mesmo muito distraída. Pode ser até que a
ponte não seja nada demais... Vai ver, é isso mesmo. É só um pedaço de madeira.
Sem nada de fantástico nem maravilhoso.
Mas tem um segredo que elas não descobriram.
Para você eu conto: fantástico e maravilhoso é o meu “rimão”.
O melhor do mundo.
Ou será qualquer irmão?


Conto do livro: Coleção Literatura em Minha Casa-Em Família-FNDE-Ministério da Educação

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