17 março, 2011


Desastres naturais: a relação entre tragédias e mudanças climáticas


Na última matéria sobre desastres socioambientais, a relação entre as tragédias e as mudanças climáticas globais. Especialistas analisam a postura do Estado diante dessas alterações e dizem como ele deve se preparar para proteger as camadas mais vulneráveis da população. A reportagem é de Verônica Lima.

A cidade de Blumenau está cerca de 60 quilômetros do litoral catarinense. Mas, na avaliação do coordenador do Centro de Operações do Sistema de Alerta da Bacia do Itajaí, Hélio dos Santos Silva, a cidade pode vir a ter praia um dia.

"Na verdade, existe toda uma dinâmica do mar no litoral catarinense, por exemplo, que está mudando tudo. E, com a possibildiade que nós temos das mudanças climáticas, possivelmente, se o nível do mar, na nossa região, subir, digamos 1,5 metro, daqui a cem anos, certamente Blumenau vai ter praia."

A previsão soa apocalíptica, mas, segundo Hélio, existe projeto para deslocar o centro de Blumenau para uma região um pouco mais alta. A estratégia não visa a protegê-la do avanço do mar, mas das cheias dos rios. Em 2008, uma quantidade extraordinária de chuva causou enchentes e deslizamentos em morros e encostas.

"Alguns estudos meteorológicos mostram isso, que as chuvas estão sendo eventos cada vez mais catastróficos, ou seja, com quantidades de chuvas maiores e um pouco mais duradouras. Aquela chuva de final de tarde que durava 40 minutos, hoje, dura duas horas. Então causa realmente problema na estrutura urbana, nas casas. Porque as ruas, a tubulação das ruas, por exemplo, não foram dimensionadas para esse total de água. Então, com certeza, vai gerar inundação."

Assim como Hélio dos Santos, Igor Ferraz, pesquisador do Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, também não pode garantir que as enchentes que têm ocorrido recentemente no Brasil sejam resultado de mudanças climáticas globais, mas acredita que os gestores devam incluir essa possibilidade na discussão sobre políticas públicas de prevenção e enfrentamento de inundações.

"Então, no mínimo, o que se esperaria é que a dimensão das mudanças climáticas fosse encarada como uma variável, como um fator na gestão urbana, na gestão da mitigação dos impactos das enchentes. Mas isso pouco é levantado, ou seja, as pessoas não percebem esses eventos climáticos que ocorrem como tendo uma relação com mudanças climáticas. Isso acaba sendo um problema porque, caso essas mudanças climáticas se tornem mais frequentes, isso vai ser acentuado."

Igor Ferraz explica que o debate em torno das mudanças climáticas está focado apenas na amenização do problema, como a redução de emissões de gases do efeito estufa. Mas, segundo ele, seria preciso desenvolver políticas de adaptação para preparar a sociedade para enfrentar as mudanças, caso elas ocorram. E isso significa criar condições para proteger a parcela mais vulnerável da população, que, segundo o conceito de Justiça Climática, sofre mais com os efeitos dos desastres ambientais.

"Você tem que pensar em possibilidades de melhores serviços públicos, de você garantir a essa sociedade de menor renda que a gestão urbana seja promovida, que as moradias em locais irregulares, que vão sofrer mais com as mudanças climáticas, sejam canceladas, ou seja, no final das contas, as políticas públicas vão ter que enfocar principalmente os grupos mais vulneráveis a essas mudanças."

Essa proteção dos mais frágeis, segundo o pesquisador Igor Ferraz, seria, portanto, uma ação de justiça climática. Esse conceito alerta para a percepção de que, global e localmente, aqueles países e indivíduos que mais contribuem para as mudanças climáticas, que mais emitem poluentes, que mais geram resíduos sólidos são geralmente os que têm maior nível de renda e, portanto, sofreriam menos com os efeitos por terem mais condições financeiras de se adaptar. E aqueles que poluem menos, porque têm nível de renda e consumo menor, são os que mais sofreriam com os efeitos das mudanças climáticas.

Eduardo Mendiondo, professor de engenharia ambiental da Universidade de São Paulo, concorda que o Estado tem que se preparar para um futuro de mudanças globais climáticas.

"O Estado tem que introduzir palavras-chave: tem que criar cidades resilientes ao clima. Cidades, urbanizações, assentamentos que tenham capacidade de absorver os impactos naturais, os fenômenos naturais, a partir de uma infraestrutura que possa ter algum impacto negativo, mas que possa ter uma alta recuperação. Hoje nós não temos isso."

Independentemente de as enchentes e queimadas estarem associadas às mudanças climáticas, os especialistas ouvidos nesta reportagem especial acreditam que o Brasil precisa se preparar melhor para prevenir e enfrentar esses desastres.

Mapeamentos de riscos e sistemas de alerta e evacuação de áreas precisam ser implantados. Moradores e gestores precisam ser conscientizados dos riscos de ocupar áreas impróprias. Construções resistentes e serviços públicos devem ser pensados de modo a proteger as parcelas mais vulneráveis da população. Tudo isso feito de forma firme e coordenada entre as diversas esferas de governo.

Mas a transformação pode começar com iniciativas individuais. No Banco de Tecnologias Sociais, da Fundação Banco do Brasil, podem ser encontradas diversas soluções para alguns dos problemas associados à ocorrência de enchentes e queimadas. Entre elas, técnicas para reduzir o desmatamento, para facilitar a contenção do solo, para manejo de plantações e para armazenamento e reaproveitamento de água. O banco traz informações detalhadas sobre cada técnica e está disponível no endereço eletrônico www.tecnologiasocial.org.br.

De Brasília
Verônica Lima
Fonte: http://www.camara.gov.br/internet/radiocamara

Nenhum comentário:

Postar um comentário